sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A voz: seu uso e seus problemas

A maneira como usamos o nosso aparelho vocal é determinante para a sua saúde. Um bom uso da respiração e a voz devidamente colocada podem evitar muitos aborrecimentos.
Há profissões em que a incidência de disfonia e nódulos nas cordas vocais é maior por exigirem um uso muito mais intenso da voz. É o caso de professores, educadoras, advogados e todos os que diariamente têm de falar para grupos de pessoas ou em ambientes ruidosos.
Actualmente, verifica-se também um grande aumento de disfonias, muitas vezes com nódulos nas cordas vocais, em crianças, mesmo desde o infantário. Isto tem a ver com a alteração, nestes últimos anos, da maneira como usam a voz, principalmente durante os momentos de brincadeira.
Muitas crianças passam o tempo de recreio a gritar – toda a situação de jogo se desenrola no meio de muito barulho. Isto, para além de não ser nada saudável para os ouvidos, é uma agressão tremenda para o aparelho vocal que, no caso das crianças, ainda está em desenvolvimento. Muitas vezes acabam mesmo por formar nódulos.
É, sem dúvida, um enorme investimento na saúde e bem-estar das crianças, os adultos que habitualmente estão com elas (pais, avós, educadores) ensinarem-nas a não gritar, seja enquanto brincam, seja enquanto falam. É possível corrigir a voz de uma criança e eliminar os nódulos, mas é extremamente difícil alterar os seus hábitos vocais. Por isso, quando este processo se prolonga muito sem se fazer uma reeducação vocal, pode acontecer, mesmo depois de eliminados os nódulos através da terapia da fala, eles voltarem, mais tarde, a formar-se.

Cuidar da voz
Os problemas vocais começam a manifestar-se normalmente por curtos períodos de rouquidão, em ocasiões de uso mais intenso da voz, ou de maior stress, por exemplo. É muito importante, nesta fase, a pessoa ser observada por um otorrinolaringologista, para ver o estado em que estão as suas cordas vocais.
Quando há nódulos, normalmente a terapia da fala é suficiente para que eles desapareçam. No entanto, mesmo quando a pessoa ainda não tem nódulos, faz todo o sentido fazer reeducação vocal. A terapia da fala trabalha toda a área de respiração, de uso da voz e de colocação e projecção vocal. Eu falo em reeducação vocal porque não é necessariamente uma terapia, isto é, não é só para quem tem nódulos.
Há pessoas que recorrem à terapia da fala sem terem quaisquer problemas, porque fazem ou vão fazer, por razões profissionais, um uso muito intenso da voz. Ao aprenderem a usá-la de maneira correcta irão eliminar a possibilidade de virem mais tarde a formar nódulos, para além de passarem a falar com maior conforto, cansando-se menos.
A qualidade da voz e a fluência verbal são igualmente trabalhadas, o que faz com que também seja mais fácil e agradável ouvir essa pessoa. Normalmente, quando alguém faz um uso incorrecto da sua voz, isso também se torna difícil e desagradável para os seus ouvintes.
Numa época em que se tem tantos cuidados com o corpo, faz todo o sentido cuidar também um pouco da voz. É muito importante criar o hábito de não agredir o aparelho vocal: não falar mais alto do que o necessário, não produzir sons muito agressivos, evitar falar quando se está a fazer algum esforço físico ou em ambientes muito frios, etc.
Quando uma pessoa, depois de usar a voz fica a sentir “impressão” na garganta, é sinal de que a usou de forma incorrecta e de que, de alguma forma, a maltratou. O acto de pigarrear é não só sinal de que houve mau uso da voz mas também, ele mesmo, uma enorme agressão às cordas vocais. É algo que nunca se deveria fazer.
Os cuidados com a voz passam também pela qualidade do ambiente em que nos encontramos. Espaços com fumo ou qualquer outro tipo de poluição, assim como ambientes ruidosos, são extremamente prejudiciais. Grandes diferenças de temperatura, como a entrada ou saída de lugares muito quentes/frios para o exterior, ou a ingestão de bebidas muito geladas, também agravam a condição do nosso aparelho vocal.
Penso que vale a pena começar a criar hábitos que protejam a nossa voz. É muito importante evitar situações que, se alguma forma, nos provoquem uma situação de desconforto na garganta. Esse desconforto é uma maneira de o nosso corpo nos avisar de que isso nos está a prejudicar e que pode, mesmo, transformar-se num problema.

16 de Abril – Dia Mundial da Voz
Recentemente, as áreas da fala e da comunicação começaram também a ser lembradas através de “Dias Mundiais”; é o caso do Dia Mundial da Voz, que será celebrado este mês.
Esta iniciativa é uma forma de lembrar às pessoas que têm voz. Pode parecer um comentário estranho mas, na verdade, a maioria das pessoas não usa a voz de forma consciente. Limita-se a usá-la, como se ela fosse indestrutível. Durante este dia terão a oportunidade de ouvir ou ler alguns comentários acerca do uso da voz que, espero, comecem a mudar essa forma de pensar e agir.
Mesmo em termos financeiros, os custos com os problemas de voz (baixas, tratamentos, cirurgias) poderão ser bastante reduzidos se se fizer um trabalho a nível da qualidade do uso da voz. Tem a ver não só com prevenção, mas também com o conforto e eficiência do uso de todo o aparelho respiratório e fonatório. Mesmo alguns problemas de cansaço têm a ver não com algum tipo de fraqueza muscular, mas com o mau uso da respiração durante a fala ou outra actividade física.
No aparelho vocal há diferenças de pessoa para pessoa. No entanto, todos podemos aprender a usar o nosso de forma adequada. É uma questão de técnica vocal. Esta técnica não vai “fortalecer” o aparelho vocal de alguém, mas sim ensinar a pessoa a usá-lo de forma eficiente e sem o “arrasar” com qualquer esforço maior.
Se pensarmos nas pessoas que, no palco, usam a voz sem amplificação, podemos ter uma ideia das capacidades que o nosso aparelho vocal tem e que, muitas vezes, não são desenvolvidas, mesmo sendo necessárias como no caso de profissões que usam a voz como instrumento de trabalho.
É importante termos a consciência de que somos responsáveis pela forma como usamos o nosso corpo e pelos resultados, bons ou maus, desse uso. Esta responsabilidade, à primeira vista pode-nos parecer um peso, mas eu penso que, pelo contrário, é uma porta aberta de possibilidades. Muitos dos problemas que nos surgem, tanto a nível de voz como em qualquer outro aspecto, não são um azar, algo que nos “acontece”, mas sim uma situação que nós próprios provocámos, talvez sem disso termos a noção.
Espero que esta reflexão tenha influência não só na sua maneira de pensar, mas principalmente na maneira como usa a sua voz, no cuidado e atenção que lhe dá. Talvez seja mesmo um incentivo para participar num curso de voz no seu trabalho ou health club.
In Medicina & Saúde, Abril 2006

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